sábado, setembro 08, 2007

856.ª etapa


A ABISSAL DIFERENÇA
ENTRE HISTÓRIA E… ESTÓRIAS

Já há 15 dias que aqui tinha deixado um alerta aos editores do nóvel projecto que se chama Jornal Ciclismo acerca disto.

Jornalismo é, por definição, o reportar dos acontecimentos, se não diários (a etimologia “jorna” significa, exactamente, o trabalho de um dia), pelo menos actuais. Por isso há jornais… diários, semanários, mensais… e por aí adiante. Se bem que, a partir do mensal, o termo “jornal” já seja um tanto ou quanto forçado.

Depois, cada jornal é livre de ter as suas secções.
E se for um jornal dedicado especificamente a um único tema até pode ter a sua secção de História. Mas aqui é preciso pesar as diferenças entre História e histórias que, nos últimos anos e adaptando um termo do português que se usa no Brasil, se aceitou, sem grandes pruridos, grafar como estória.

Históriasão factos reais!
Estórias (ou histórias, grafada em caixa baixa) são acontecimentos acessórios, nem sempre confirmados, ou confirmáveis, mas que, pelo pitoresco que em si encerram, ajudam a colorir a História.

Não são – antes pelo contrário – efabulações. Aceitemo-las como… complementos à História. Até porque terão acontecido, embora sem força suficiente para fazerem parte da… História.

Tudo isto a propósito da bem intencionada ideia de no Jornal Ciclismo se recordar a História do maior Corredor português de todos os tempos.
Joaquim Agostinho.

Para além dos dados – em termos de números – que se podem consultar, à cautela, em qualquer hemeroteca, porque as transcrições para a Internet não são completamente fiáveis, já existe uma bibliografia não desprezível em torno da figura de Joaquim Agostinho.

Se, até aqui, o meu discurso nada mais tem do que retórico, passemos à prática.

Os anos áureos de Joaquim Agostinho aconteceram há três décadas atrás, o que significa que a maioria dos potenciais leitores do Jornal Ciclismo não os viveram. Resta-lhes, pois, a História. Grafada em caixa alta. Factos.

Por isso, e porque me preocupo, de verdade, com a História do Ciclismo português, não quero, nem posso, deixar passar em claro erros crassos na estória que este novo jornal está a contar tendo como “protagonista” o Joaquim Agostinho. Ou então, assumam-no como um exercício que não passa disso. Embora corra, o jornal, o risco de poder – erradamente – ficar como mais uma peça de consulta Histórica. É que são tantos os erros que corremos o risco de a actual geração de leitores ficar com uma ideia deturpada da História. Não quanto ao essencial, que esse estará lá, mas na História não há acessório. E havendo erros crassos, está-se a reescrever erradamente a História.

E já passo por cima de estilos de escrita que induzem em erros de facto.
Um exemplo colhido ao acaso: “… não faz sentido que um corredor como o Agostinho necessitasse de tomar drogas [sic] para ganhar ao pelotão chamado nacional.”

Confundir, e levar terceiros a aceitar como comparáveis, DROGA e doping é um erro que nos dias de hoje é de palmatória. Há 30 anos talvez. Mas hoje toda a gente sabe o que é DROGA e o que é doping. E a passagem não faz sentido. Terá sido copiada de algum texto de há 30 anos? Podia ser uma explicação…

Depois há os erros históricos. Dados que estão registados, que uma imensa maioria conhece mas que, quem só agora toma deles conhecimento é ENGANADO.

“Em 1971, como muitos se recordam, conseguiu 15 minutos de vantagem na etapa de Abrantes para a Figueira da Foz…”

Ninguém SE PODE recordar disso porque, simplesmente… NÃO ACONTECEU!
Mas quem não sabe que NÃO ACONTECEU e só o leu agora, vai ficar a pensar que está na posse de um dado histórico.

Foi um erro de simpatia. Daqueles que cometemos por ter escrito tantas vezes que até nós não descortinamos. Não interessa. É UM ERRO.

Em 1971 não houve nenhuma etapa a ligar Abrantes à Figueira da Foz.

Essa fuga histórica aconteceu sim senhor. Mas noutra data. Só que quando falamos de História, não é o mesmo dizer que a Revolução que implantou a República em Portugal aconteceu em 1910 ou em 1912.

Mais alguns erros.
Infelizmente há muitos.

É claro que quem sabe o mínimo sobre o Ciclismo Português há uma coisa que não pode ignorar. Aliás… aliás, a pessoa ainda está viva e, espero eu, de muito boa saúde – e aproveito para lhe mandar um grande abraçoo ÚNICO técnico português que dirigiu uma equipa… teria que ser portuguesa, dadas as circunstâncias, no Tour foi o Mestre Emídio Pinto, à frente do Sporting-Raposeira, em 1984.

Em 1975, o misto franco-português que correu o Tour sob as cores do Sporting-Sotto Mayor-Lejeune tinha como técnico o francês Raphaël Geminiani.

Em 1978, quando Joaquim Agostinho ficou pela primeira vez no pódio do Tour (3.º classificado, lugar que repetiria no ano seguinte) corria, de facto, na belga Flandria, mas Freddy Maertens era seu companheiro de equipa, foi 13.º classificado, na geral final, ganhou duas etapas e conquistou a camisola verde, o que aliás já tinha feito em 1976 (8.º na geral e oito etapas) e viria a repetir em 1981 (66.º na geral e seis etapas).
O técnico da equipa era o desde sempre “protector” de Agostinho, o francês Jean De Gribaldy.

(Não calculam o quão são proveitosas, para além de absorventes, as conversas de fim de tarde com o Francisco Araújo, meu vizinho, aqui, com casa a cerca de 500 metros da minha.)

Agora, os meus caros amigos editores do Jornal Ciclismo – que não ligaram à minha primeira advertência, há 15 dias – decidirão.

Ou mantêm o título da rubrica – FIGURAS COM HISTÓRIA – e acrescentam uma página, no final, com a correcção das imprecisões… ou mudam o título para… sei lá!... Estórias sobre o Joaquim Agostinho.

Não fechem é os olhos deixando quem pouco sabe da História do Ciclismo português pensar que estão a aprender alguma coisa.
Seria um péssimo serviço que estariam a prestar à modalidade.

De resto, excelente a entrevista ao Manel Zeferino.
Aquilo que os desportivos se esqueceram de fazer…


Notas: a imagem.1 é do livro História da Volta, de Guita Júnior;
e a imagem.2 do livro Joaquim Agostinho, Uma Lenda do Centenário,
uma edição de A BOLA com textos de António Simões.

2 comentários:

Paulo Sousa disse...

Madeira,

Até possa ser que tenhas razão pois quando n~~ao sei prefiro ficar calado.

Contudo entendo que deverias ser um pouco mais contido nas tuas palavras, passo a explicar.

Este é um projecto novo, ainda só saíram 3 numeros, um projecto sem fins lucrativos, projecto feito por pessoas ainda novas em idade mas com muitos anos de Ciclismo(pelo menos o João).
Ora quem vem aqui e le este teu comentario fica logo com uma ideia negativa do jornal e pessoalmente até entendo que o jornal tem boa qualidade.
Essas mesmas criticas (bem sem que foram construtivas) podias te-las feito pelo telefone e/ou mail entendes?

mzmadeira disse...

Calma, Paulo!
O jornal só ontem me chegou às mãos, li a página de história, li as quatro páginas da entrevista (excelente)... e ainda não li o resto mas sei que estará ao nível dos anteriores. Bastante agradável. O projecto aguenta-se sim.

Só temos que separar trabalho jornalístico de História do Ciclismo e aqui encontrei erros. O projecto jornalístico ir-se-á aperfeiçoando a si próprio. A História é que já aconteceu. Não pode nem deve ser adulterada.

E achei que era um bom exercício para expôr aqui aos leitores do VeloLuso.

Aliás, logo na primeira parte desse trabalho contactei, via e-mail, um dos editores.

Farei aqui crítica mas será sempre de forma construtiva. E publicitarei o quanto puder o título porque acredito nele.